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SARAH POULTON KALLEY



Sarah Poulton Kalley nasceu em 25 de maio de 1825, em Nottingham, Inglaterra. Seu nome de nascimento, Sarah Poulton Wilson. Filha de William Wilson (1801-1866) e Mrs. Sarah Morley (1802-1825), Ficou órfã de mãe quatro dias após o seu nascimento. Seu irmão, Samuel Morley foi membro do parlamento inglês. Mais tarde, seu pai contraiu segundo casamento e nasceram irmãos.
A família de Sarah era descendente dos huguenotes, cristãos que viviam na França nos séculos XVI e XVII. Estes cristãos eram perseguidos ferozmente e são ainda hoje lembrados pela terrível carnificina conhecida como “a noite de S. Bartolomeu”. Aproximadamente 200.000 huguenotes fugiram para os países mais perto da França: Suiça, Holanda e Alemanha e a família de Sarah fugiu para Inglaterra.
Sua família mudou-se de Nottingham para Torquay, cidade situada às margens do Canal da Mancha, no sul da Inglaterra. Nesta ocasião, Sarah viveu algum tempo na casa de sua avó paterna para estudar e entrar no internato, em Camberwell, ao sul de Londres. Lá permaneceu por seis anos, e foi uma brilhante aluna e tornou-se uma boa pianista, pintora, poetisa e poliglota.
Sarah tinha o dom e habilidade para ensinar. Seu pai era Superintendente da Escola Dominical na Capela que ele construíra em Torquay, confiou-lhe uma classe de rapazes. Sarah, ao perceber que muitos tinham que trabalhar durante o dia, instalou uma classe noturna com bastante êxito. Dentre seus alunos, Will Deatron Pitt, que mais tarde veio para o Brasil ajudar o casal Kalley, e posteriormente, tornou-se pastor presbiteriano.
            Seu pai, em Torquay, recebia em casa muitos missionários de outros lugares, e Sarah, ouvindo os relatos, se interessou por suas necessidades e dificuldades. Nesse sentido, criou uma classe de costura para moças, onde eram confeccionadas roupas para enviar aos campos, e mantinha suas auxiliares informadas dos resultados desse esforço, através da leitura de revistas e de outras fontes.
Em 1851, um de seus irmãos, Cecil Wilson, sofrendo de tuberculose, fora enviado, com um acompanhante, para recuperar-se no Egito. Mais tarde, a família recebeu notícias desanimadoras quanto à recuperação do rapaz. Em 1852, seu pai, seu irmão Henry e Sarah foram a Beirute. A finalidade era encontrar-se na Síria, com o Dr. Robert Reid Kalley que, em setembro de 1851 perdera a esposa Margareth, também tuberculosa. Sr. Wilson ansiava que o médico fizesse um minucioso exame em seu filho e o aconselhasse a respeito do tratamento. Dali, Sarah conheceu pessoalmente o Dr. Kalley, que já ouvira falar de seu trabalho na Ilha da Madeira.
Deste encontro, resultou em noivado e posteriormente casamento, que ocorreu no dia 14 de dezembro de 1852 na Capela em Torquay.
Em 1853 viajaram para os Estados Unidos em visita aos crentes madeirenses que haviam fixado residência ali, fugidos da Ilha da Madeira na mesma ocasião em que o Dr. Kalley fugiu.  Até 1854, viveram em Illinois, nas cidades de Jacksonville e Springfield.
Em 1854, o Ver. Fletcher, presbiteriano, foi nomeado agente da Sociedade Bíblica Americana no Brasil, e escreveu do Brasil para Nova York pedindo que enviasse dois ou três crentes madeirenses, de Illinois, para ajudarem a disseminação das Escrituras no país. Isto pode ter influenciado a vinda do casal Kalley para o Brasil. O fato é que logo depois de uma passagem pela Inglaterra, o casal Kalley resolveu vir para o Brasil, considerando a necessidade espiritual dos brasileiros e o fato de já conhecerem o idioma português.
Em 10 de maio de 1855 o casal desembarcou no Rio de Janeiro. Devido a não se adaptarem ao clima do Rio, assim como outras famílias europeias, decidiram residir em Petrópolis-RJ.
Na tarde do domingo, 19 de agosto de 1855, em Petrópolis, D. Sarah instalou a primeira classe dominical com cinco crianças. Ela contou a história do profeta Jonas. Dois ou três domingos depois, incluíram uma classe para adultos com o Dr. Kalley. Passaram a ter reuniões em dias de semana. (Sobre a primeira escola dominical no Brasil é importante relembrar que o Ver. Kidder registrou em seu livro “Sketches of Residence and Travel in Brazil”, que quando chegou ao Brasil em 1837 foi auxiliar o seu colega o Ver. Spaulding, que tinha uma escola diurna para crianças e aos domingos uma florescente escola dominical, na Rua do Catete, Rio, mas o Ver. Spalding regressou aos Estados Unidos em 1842. A escola iniciada por D. Sarah foi a primeira que teve continuidade até nossos dias.).
            D. Sarah foi muito ativa na Causa do Mestre, embora sendo do Lar, se inteirava nos trabalhos missionários através dos relatórios; promovia e agendava visitas às famílias que assim precisavam; digira classes de músicas; preparava sinopses para composição dos sermões do Dr. Kalley quando este se encontrava enfermo; traduzia livretos e folhetos do inglês para o português; organizava passeios, palestras e encontros em sua residência.


 Gernheim, que significa "Lar mui amado", desenhado por Sarah



Ainda em sua residência no Gernheim (atual Rua Benjamim Constant), em Petrópolis, ela conta de uma visita inesperada do Imperador Pedro II em sua residência, o que a deixou um tanto nervosa, levando-a a esquecer os costumes da monarquia brasileira, deixando assim de beijar a mão do Imperador ao recebe-lo, e se dirigindo a ele em Inglês, que era a sua primeira língua. Isto deixou a comitiva imperial inconformada, todavia, o próprio Imperador não deu importância ao caso, e se dirigiu a ela respondendo na língua inglesa. (Leia abaixo a carta na íntegra de Sarah narrando a visita do Imperador).    
Em 1867, Sarah fundou uma Classe Especial na Igreja Evangélica Fluminense para jovens de ambos os sexos; estudavam biografias de vultos bíblicos, cantavam hinos e oravam.
Sarah participou da organização de “Salmos e Hinos”, primeiro hinário evangélico brasileiro, usado pela primeira vez em 17/11/1861, na Igreja Evangélica Fluminense. Muitos dos hinos ali contidos foram produzidos em colaboração com o seu esposo, ou são de sua exclusiva autoria, totalizando cerca de 200. No hinário "Hinos e Cânticos", entre composições e traduções, ela tem participação em 16 hinos, dentre eles, “O Adorno desta Vida” (HC 217) de sua autoria.
O casal Kalley, não tendo filhos, adotou um casal de crianças brasileiras: João Gomes da Rocha e Silvana Azara, mais conhecida como Sia, sendo esta adotada quando o casal Kalley já estava na Escócia.
Em 1876, a 1 de julho, o casal Kalley deixou definitivamente o Brasil, fixando residência em Edimburgo, onde construíram uma casa, a qual recebeu o nome de Campo Verde, em homenagem ao Brasil.
Posteriormente à morte do seu esposo, ocorrida em 17 de janeiro de 1888, Sarah fundou, em 1892, a missão conhecida como Help for Brazil (Auxilio para o Brasil), com o objetivo de cooperar com as igrejas originadas do trabalho de seu esposo através do envio de obreiros.



               D. Sarah e filha Sia aguardando visitas para um chá



Sarah Poulton Kalley faleceu em 08 de agosto de 1907 na sua residência e foi sepultada em 12/08/1907 no Dean Cemitery, junto a seu marido, Dr. Robert Reid Kalley, do qual foi a fiel colaboradora, dando-lhe mão forte no trabalho.


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Carta de Sarah Poulton Kalley enviada a seu pai, de 07 de março de 1860, narrando a visita do Imperador D. Pedro II

 

"Meu esposo está muito doente; Dr. Lee, o médico inglês mais conhecido do Rio de Janeiro está aqui de visita em Petrópolis - é a primeira vez em 30 anos que ele sai do Rio de Janeiro! A doença atingiu seu ponto alto no período do Carnaval, quando todos os católicos romanos vão confessar seus pecados. Roberto diz que, na Ilha da Madeira, sempre houve confusão nesta época... Além do mais, o Núncio(1) e sua comitiva de padres também estão em Petrópolis.
Bem, morreu uma das pacientes de Roberto, uma senhora idosa que não quis se submeter a uma cirurgia que salvasse a sua vida. O esposo um velhinho, veio buscar o atestado de óbito que Roberto, com certa dificuldade, assinou. Escolhendo justamente os dias da doença de Roberto - ele não podia ir até lá para argüi-las - as autoridades voltaram a insistir que Roberto não é médico, e recusaram liberar o corpo para o sepultamento. O velhinho voltou para nossa casa, e Roberto (ele passou bem mal depois) se levantou da cama e escreveu um depoimento. Pensávamos que isso bastasse, pois não ouvimos mais nada; tudo bem.
No outro dia, porém o velhinho retornou, e me disse que, após levarem o caixão para o mortuário(2), eles o abriram para examinar o corpo, alegando que Roberto não é médico coisa alguma. De fato, não chegaram a fazer o tal exame, mas o coitado do velhinho ficou tão sensibilizado, tão machucado. Eu nada disse a Roberto, visto que nessa altura ele nada podia fazer: só fiquei para consolar o velhinho da melhor maneira possível, e insistindo com ele que me trouxesse todos os nomes das pessoas envolvidas.

E não é que, alguns poucos dias depois, morreu mais uma paciente, uma outra velhinha, que, há muito tempo, estava sendo tratada de hidropisia(3). Roberto deu o atestado de óbito - e aconteceu a mesma coisa! Prontamente eu mandei buscar o Sr. Carpenter(4) e ele veio na hora, levou o diploma de Roberto, e arrasou com o Inspetor que assinou os documentos, mas que nada mais é do que instrumento nas mãos do subdelegado, que, por sua vez, suponho eu, ser católico romano fervoroso e instrumento nas mãos dos padres. Mas conseguimos resolver tudo sem que os pobres sentissem que seus mortos fossem insultados... Resolvemos tudo no domingo, 26 de fevereiro.
Porém, na terça-feira, dia 28, e antes das 8 da manhã (passei boa parte da noite acordada por causa de Roberto, para cuidar dele), eu estava me arrumando, ajeitando meu cabelo, quando escuto um homem correndo e dizendo: "Como?" Era alguém avisando que Dom Pedro II queria falar com Roberto! "Impossível", eu respondi. "Ele não vai mandar um mensageiro desses."
Nesta altura Marianne(5) voltou para dizer que o Imperador estava subindo a ruazinha que leva à nossa casa! Eu lhe disse que ela mandasse Jacinto às pressas para dizer que Roberto estava muito doente, de cama, e que, não fosse isso, iria atendê-lo prontamente. Continuei a me arrumar, mas fiquei tão nervosa!
Dois minutos depois alguém vem correndo - é Marianne gritando, - "Sra., por favor. O Imperador está aqui - ele está na varanda."
Corri para me vestir e me aprontar, e em dois ou três minutos marianne voltou, escancarando a porta do quarto. Escutei os passos de um homem, entrando em casa. Mais três minutos, e lá estou eu, na sala, não muito bem arrumada, devo dizer, mas perfeitamente calma - aparentemente! Nós duas fizemos uma reverência profunda. (Havia um senhor com ele, um camareiro que trabalha em sua casa). O Imperador fez um levíssimo gesto, como se estivesse me oferecendo sua mão para eu beijá-la. Mas eu sei que as inglesas não fazem isso, e eu também não o fiz.



Então eu lhe disse mais ou menos assim: "Meu esposo está muito doente, acamado mesmo, e é impossível que ele tenha a honra de receber..." E me veio aquela dúvida... "O que é que eu digo agora? "Vossa Majestade" ou "Vossa Alteza Imperial"? Na dúvida eu disse somente "o senhor", e nada mais. Temo que tenha sido muito mal-educada! Mas eu não tinha como fazer. Se eu pudesse ter me lembrado do português, eu teria sabido o que dizer, mas a gente nem sempre consegue pensar nestes momentos - quando a gente quer.
Ele parou por um momento antes de responder e, depois, falou num inglês perfeito... Ai! Ai! como eu fiquei nervosa, pensando naquilo que ele ia dizer - e naquilo que eu talvez dissesse para ele - e naquilo que Roberto estava pensando, ali no quarto, deitado, escutando tudo que se passava!
Disse ele: "Eu tenho ouvido que seu esposo tem... (o quê)... viajado muito, e eu queria falar com ele acerca de suas viagens."
Papai, o senhor consegue imaginar como dentro de meu coração, eu suspirei, aliviada, naquele momento? Eu disse não sei o quê... algo sobre Roberto e o prazer que ele teria, caso estivesse com saúde... E nós duas nos curvamos perante ele de novo. Com isso, Sua Majestade volveu-se para os quadros, aquarelas, na parede da sala - de fato, ele estava examinando-os quando eu entrei na sala. São aqueles quadros pintados pelo Sr. Woolnooth - e ele perguntou de onde eram, e o nome do artista daquele quadro da planície de Babbicombe, e com lindas cores do mar.
Ele perguntou: "Tem um álbum das viagens de seu esposo?"
Eu disse que não, mas depois lembrei que algumas pessoas importantes daqui tinham visto algo, e que talvez tivessem mencionado tal coisa... então abri o baú para tirar os álbuns. Mas Sua Majestade fez isso para mim, com aquela cotesia de cavalheiro. Ele os abriu e disse: "Tenho este livro. Seu esposo não tem nada escrito, nada publicado sobre suas viagens?"

Claro que eu disse que não, e dentro de poucos minutos, ele pegou seu chapéu, repetimos nossas reverências, e ele se foi! O camareiro não gostou da conversa ter sido em inglês e murmurou duas vezes: "Fale português", mas o Imperador não lhe prestou a mínima atenção.
Roberto, coitado - suas dores haviam piorado - perguntou "Você tem certeza que não foi um sonho, pois minha cabeça está doendo tanto?" De fato, parecia muito mais com sonho do que realidade. Depois Marianne me contou de sua entrevista com o Imperador, e deve ter sido bem engraçada. A noção que ela tem de mostrar respeito é simplesmente repetir "Senhora" ou "Senhor" a cada três palavras - e foi só o que ela fez na ocasião(6).
Ontem, o dia 6 de março, terça-feira de novo... Esta vez, eu é que estou de cama, quando, na mesma hora, escuto os cachorros latindo, e Marianne entra.
"Minha senhora, por favor, o Imperador está aqui de novo - ele diz que Dr. Kalley falou que contaria para ele de suas viagens - e que ele vai dar uma volta pelo jardim até que o Sr. Kalley volte(7)."
"Mande Manoel falar com ele," etc. etc. etc... E, finalmente, quase meia hora depois, Roberto voltou. O Imperador o saudou, dizendo que estimava suas melhoras e etc., Roberto beijou-lhe a mão, e os dois entraram. Eles falaram em português, e eu escutei o Imperador dizendo, "os livros estão aqui", enquanto apontava para o baú. Roberto pensa que o próprio Imperador tirou um dos volumes do baú. Depois eles gastaram entre uma hora e meia a duas horas conversando de maneira bem agradável - sobre a Palestina. Roberto deu-lhe uma das medalhas, e eu o ouvi dizer: "mas onde está o papel no qual estava embrulhada? Ele colocou-a no bolso na hora! Nós não conseguimos pensar que ele ia sugerir que talvez fosse bom Roberto voltar a viajar - mas não houve nenhuma palavra a respeito.
Quando Roberto foi buscar uma Bíblia em português para explicar algo sobre um dos lugares mencionados, ele pensou que Sua Majestade e o camareiro olharam um para o outro (foi um camareiro diferente - eles mudam de escala a cada semana), mas ficou só naquilo. Tudo foi mais do que bem educado, foi amigável até.
No mês passado nós estávamos na dúvida se devíamos fazer uma visita formal ao Sr. William Christie(8)... Agora estamos achando que vamos ter que fazer uma visita ao Palácio! Roberto, pelo menos, deve (grifo dela) - e ele pensa que eu também vou ter que ir. Quanto a isso, nós iremos nos informar, e eu não vou de maneira nenhuma a não ser que o respeito e a etiqueta exijam minha presença.
Mas parece que o episódio está nos ajudando a decidir que iremos permanecer aqui, pois, como diz o Sr. Morritt - um inglês que é muito inglês (pena que ele não seja crente) - que está bem animado com tudo isso: "Agora nosso médico inglês vai poder ir onde quiser e fazer o que quiser e nenhum padre ou suboficial ousará levantar a mão ou falar palavra alguma."
É claro, se esta é de fato a única razão destas visitas - embora a gente ainda não consiga acreditar que elas podem ser só de paz e não de guerra - é claro que todas as famílias brasileiras terão muito prazer em ser conhecidas do Roberto. E, ainda, talvez nossa mudança para uma outra casa nos coloque em contato com muito mais pessoas do que aqui neste cantinho calmo, neste outeiro de paz!"







NOTAS
1. Isto é, o Núncio papal (Embaixador do Papa junto a um governo estrangeiro).
2. Local onde os crentes eram sepultados, por não terem acesso aos cemitérios.
3. Doença decorrente do acúmulo de líquido em alguma cavidade do corpo ou em algum tecido.
4. Um conhecido oficial inglês que morava em Petrópolis.
5. Marianne Pitt, uma inglesa que trabalhou com o casal Kalley durante 36 anos.
6. Esta visita do Imperador foi observada por inimigos de Kalley que deduziram que o Imperador havia proibido as reuniões do missionário. No dia 1º de março de 1860 Kalley escreveu para o Imperador, agradecendo "a honra tão bondosamente conferida... etc".
7. Kalley tinha ido ver alguém sobre a possibilidade de alugar uma outra casa, pois eles tinham que sair do Gernheim.
8. Outro oficial do governo inglês, residente em Petrópolis.


 Esta carta foi escrita originalmente em Inglês e foi traduzida por JOYCE CLAYTON.
Faz parte do acervo histórico da Igreja Evangélica Fluminense.




 

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